Herege, peça desculpas ao seu professor!

(Publicado originalmente 27 de setembro de 2007 em http://stoa.usp.br/tom/weblog/6943.html)

Apenas uma reminiscência que algumas leituras agora me fizeram lembrar.

Em 2004, na metade do meu mestrado em física de partículas elementares (mestrado fracassado, que entrarei em detalhes algum outro dia), pouco antes de partir para uma escola de verão que participei sobre física de neutrinos, em Trento, no ECT*, um evento me chocou. O professor Victor Rivelles enviou um email para a lista geral do departamento de física matemática, do IFUSP, reclamando dos alunos de pós-graduação que não iam nos colóquios do departamento. Apenas respondi ao professor que isso não era tão difícil de se compreender, além do fato consumado que nem os professores do IFUSP serviam (ainda não servem?) de exemplo aos alunos, pois frequentavam raramente os colóquios, palestras e seminários mais gerais do instituto de física da USP (não posso afirmar, não podia, nem nunca afirmei, sobre a frequência dos professores nos colóquios dos outros departamentos).

Para minha surpresa, minha então orientadora me chamou esse dia, pedindo que eu fosse me desculpar com professor Rivelles. Ela me disse que o professor Rivelles foi falar com ela (por que será que ele não veio falar diretamente comigo?), pois não tinha entendido meu email, já que meu nome não aparecia em nenhum dos livros de assinatura dos colóquios. Me explicando que eu não assinava os livros, por achar que não passava de mera formalidade, pois devíamos ir ao colóquios pelo interesse no assunto (coisa que eu ainda tinha muito na época), além de ter ido na maioria dos colóquios.

Mesmo assim, insistiram no pedido de desculpas.

Fui falar com o professor Rivelles e apenas repeti, em palavras, o que eu pensava sobre o assunto. Também expliquei para ele porque eu não assinava (quase nunca assinei – apenas quando minha orientadora me via nos colóquios do departamento, hehehe) e me parece (não ficou muito claro para mim o que ele pensou, portanto apenas parece) que ele compreendeu, apesar de não concordar comigo que eu não queria assinar o livro. Obviamente não pedi as desculpas.

Desculpas por que? Fiz algo errado? Falei alguma mentira?

Segue o email:

Re: IMPORTANTE: SOBRE OS COLÓQUIOS DO DFMA


  • To: “Victor O. Rivelles” <>
  • SubjectRe: IMPORTANTE: SOBRE OS COLÓQUIOS DO DFMA
  • FromEverton Zanella Alvarenga <>
  • Date: Thu, 29 Apr 2004 12:53:57 -0300 (BRT)
  • Cc: Lista da Física Matemática <dfma-gen@fma.if.usp.br>, “Lista soc-gen (alunos do IFUSP)” <soc-gen@socrates.if.usp.br>, Lista do Cefisma <cefisma-lista@socrates.if.usp.br>
  • Delivered-to: mailing list dfma-gen@fma.if.usp.br
  • In-reply-to: <Pine.LNX.4.44.0404281304400.4744-100000@strings.if.usp.br>
  • Mailing-list: contact dfma-gen-help@fma.if.usp.br; run by ezmlm
  • Sender: Everton Zanella Alvarenga <>

Prezados professor Rivelles e demais,

de fato é lamentável, no entanto acredito que este seja um problema que
comece bem cedo, quando os alunos ingressam no curso de graduação.
Se vocês vissem o número de alunos que iam nos seminários voltados para os
próprios alunos de graduação, ficariam desolados. Inclusive, neste ano,
_nenhum_ aluno tomou a iniciativa em continuar organizando os seminários
(http://euclides.if.usp.br/~seminar) [(1) correção desse link no final do post].Talvez porque alguns alunos que
acham que estão fazendo alguma coisa preocupam-se ou com o “movimento sem
terra” ou querem que os professores passem mais horas copiando os livros
na lousa (ao alunos, minha sugestão é que os docentes dêem 2 créditos ao
invés de 6, sobrando mais tempo para vocês estudarem e discutirem física,
e NÃO política hein).

Talvez seja interessante desde cedo os professores falarem sobre isso para
os alunos de graduação. Senão teremos que ter listas de presenças para
“estimular” os alunos a irem, ou quem sabe, atrai-los meramente pela fome
do estômago e não pela da mente. Inclusive, este fenômeno, acredito eu,
ocorre numa escala muito maior aqui no IFUSP. Basta vermos a quantidade de
professores que tem o hábito de ir nos colóquios de quinta. Talvez existam
alguns que _nunca_ foram a eventos desta natureza.

Sobre as perguntas, concordo que deveria haver mais discussões/críticas no
final/durante os colóquios/seminários por parte dos alunos, mas eu
pergunto, qual é o exemplo que os professores/pesquisadores do IFUSP dão?

Sobre a página que o senhor mandou, perceba como as coisas estão bem
_centralizadas_ e organizadas. Veja como a página é bonita e bem
estruturada. Este endereço é apenas um exemplo entre inúmeros que já vi
nas páginas de institutos de física do exterior. Será que é preciso de
dinheiro para isso?

Caso exista quórum para me ajudar, fico a disposição para fazermos uma
página para os seminários/colóquios do departamento. Cordialmente,

Everton.

On Thu, 29 Apr 2004, Victor O. Rivelles wrote:

> Caros colegas e estudantes do DFMA,
>
> É lamentável que a audiência dos colóquios esteja tão baixa. No segundo
> semestre de 2003 a média foi de 27 pessoas por seminário enquanto que
> neste semestre a média tem sido de 19! O último colóquio, em 27 de abril,
> foi assistido por apenas 11 pessoas, dos quais 7 eram estudantes!!!
>
> Que alguns professores não compareçam por não sentirem-se atraídos pelo
> tema do colóquio, ou por terem compromissos no mesmo horário, é, até certo
> ponto, compreensível. Por outro lado, a atitude apática dos estudantes que
> não comparecem aos colóquios é aterradora. Imaginar que é perda de tempo
> assistir a um seminário que não tem nada a ver com sua própria tese e
> achar que é melhor resolver uma lista de exercícios durante esse tempo, é
> ledo engano. A formação de um físico vai muito além de ser capaz de fazer
> listas de exercícios e compreender o que escreveu na tese. É necessário
> situar o problema da tese dentro de um contexto mais geral, que envolve
> uma visão detalhada de sua linha de pesquisa e a inserção dessa linha de
> pesquisa dentro das grandes tendências da física contemporânea. Caso
> contrário, faz-se do trabalho de pesquisa uma mera formalidade, algo a ser
> executado apenas para obter-se um título ou mais uma publicação. Além
> disso, é necessário preparar o terreno para o pós-doutorado, para que este
> não vire uma mera extensão do trabalho de doutorado. Para isso, é
> necessário aprender novas técnicas, novas maneiras de abordar o mesmo
> problema e visualizar conexões com outros problemas. Sem isso, o
> pesquisador fica restrito, sem idéias, incapaz de produzir resultados
> interessantes. Parece, entretanto, que muitos estudantes não se dão conta
> de que os colóquios oferecem os passos iniciais para se atingir esses
> objetivos. Não percebem que essa é a maneira mais rápida e econômica de
> adquirir novos conhecimentos que serão de grande utilidade durante e após
> o doutorado. Tenho feito um grande esforço para que os colóquios sejam
> acessíveis a todos, mesmo aos alunos que acabaram de ingressar, pedindo
> aos seminaristas para não darem enfâse à parte técnica. A grande maioria
> dos colóquios têm sido nesse estilo. Tudo pronto e fácil para ser
> digerido. Parece, porém, que o apetite científico ainda precisa ser
> estimulado.
>
> Também surpreende-me a atitude dos estudantes de outros estados. Na grande
> maioria dos departamentos de física fora de SP é extremamente difícil
> manter um série regular de seminários. O principal motivo é o custo
> envolvido. O IFUSP é uma das poucas exceções, não só pelos colóquios do
> departamento como também pela grande variedade de seminários que são
> ofertados em todo o instituto. E isso só vai ser percebido quando os
> estudantes retornarem aos seus lugares de origem, ou quando os recém
> doutores nativos, que nunca sairam de SP, obtiverem um emprego em outro
> estado. Uma oportunidade rara está sendo desperdiçada! E acrescente-se,
> financiada com recursos públicos.
>
> Muitos devem estar imaginando que estou exagerando e supervalorizando os
> colóquios. Se voce pensa assim dê uma olhada no primeiro mundo. Não é
> necessário ir até lá, a internet está aí para isso. Veja o MIT, por
> exemplo:
>
http://www-ctp.mit.edu/seminars.html
>
> O colóquio para estudantes é chamado “CPT Lunch Club”. Horário: meio-dia.
> Porque meio dia? Não há aulas nesse horário de forma que todos podem
> assistir. E o almoço? Para que ninguém use isso como desculpa o almoço
> fica por conta do MIT. Free lunch!!! Eles podem arcar com essa despesa;
> nós, ainda não.
>
> A pesquisa científica é uma atividade extremamente recompensadora quando o
> objetivo está centrado na elaboração de perguntas e na busca de respostas,
> na compreensão do conhecido e na descoberta de novos horizontes. Por outro
> lado, torna-se extremamente entediante quando usada para outras
> finalidades. Se voce sofre de sonolência durante um colóquio fique
> alerta; talvez seja a hora de reavaliar seus objetivos. Afinal, como disse
> Einstein “Most of the fundamental ideas of science are essentially simple,
> and may, as a rule, be expressed in a language comprehensible to
> everyone.”
>
> Aguardo todos no próximo colóquio! Cordiais saudações,
>
> Victor Rivelles
>

********************************************************
Universidade de São Paulo, Instituto de Física (IFUSP)
Departamento de Física Matemática

Everton Zanella Alvarenga everton@fma.if.usp.br
Página: http://fma.if.usp.br/~everton
********************************************************

Fonte: http://fma.if.usp.br/lists/dfma-gen-2004/msg00032.html

(1) Correção do link: atualmente em

http://socrates.if.usp.br/~everton/seminarios/


Amigos da educação e suas benditas listas de presença

(Publicado originalmente 10 de abril de 2008 em http://stoa.usp.br/tom/weblog/20344.html)

Recentemente, após conhecer mais estudantes de outros cursos além dos muros do instituto de física (IF), descobri que muitos cursos da USP exigem lista de presença (a ECA é um exemplo notável). Questionaram recentemente aqui no Stoa sobre por que exigem 50% da pontuação nas avaliações dos cursos, enquanto a presença exigida é de 70%. Não sei o que se passa na cabeça dos amigos da educação para defenderem que seja assim (olá, olá amigos da educação! algum de vocês poderia responder?), mas posso citar casos que vivenciei durante minha graduação, para tentarmos entender um pouco o que ocorre.

No IFUSP, durante toda minha graduação, apenas um professor de disciplinas teóricas que cursei,Kazunori Watari, exigiu lista de presença – foram os cursos de mecânica I e II (não analisarei a qualidade do curso, agora). Obviamente os cursos de laboratório também exigiam a presença (para minha infelicidade, em relação a muitas aulas), o que acho certo.

Um exemplo marcante que ocorreu comigo, logo quando entrei na USP. Passei no curso de licenciatura em física sem saber muito bem a diferença entre os cursos de licenciatura e bacharelado. Antes da matrícula, um pouco mais informado sobre as diferenças (não só sobre os objetivos dos dois cursos, como as diferenças dos cursos em si), já tinha começado a me informar na seção de alunos como mudar para o bacharelado. Me disseram que tinha que esperar o final do primeiro semestre. Antes do fim do semestre, a primeira pessoa que procurei foi a professora Maria Regina (então coordenadora do curso de licenciatura, se não me engano), por indicação de alguém que não me lembro, como uma possível ajuda para meu caso. Conversando com ela, “descobri” que seria impossível a mudança, pois o curso ‘Introdução a mecânica’, da licenciatura, tinha apenas 4 créditos, enquanto Física 0, 6 créditos (na graduação do IF os créditos correspondem a quantidade de horas de aula por semana). Fiquei um pouco triste no dia, por causa da contradição sobre o que tinham me informado na seção de alunos, logo no dia da matrícula.

Não satisfeito com a situação, procurei a comissão de graduação e a informação correta é que seria possível a mudança, como de fato ocorreu. A única coisa que tive que fazer foi um cáculo diferencial e integral II a mais (no segundo semestre, fiz cálculo II da licenciatura e bacharelado ao mesmo tempo – curioso um licenciado ter que cursar cálculo diferencial e integral light, não? Enfim, não é o assunto aqui), mais as disciplinas de laboratório da licenciatura, para substituir os laboratórios I e II do bacharelado. No final, após cumprir o exigido, mudei para o bacharelado e levei o curso numa boa.

Outros exemplos análogos da época do colégio me vêm à cabeça, mas acho que esse no começo do curso da USP exemplifica bem a mentalidade que reina nas nossas instituições de ensino, de todos os níveis. Será por acaso muitos dos alunos que chegam dos colégios esperarem uma postura paternalista dos seus professores, mesmo durantes os cursos de graduação, até mesmo no final deles? Minha hipótese é que não e uma das principais causas é, na minha opinião, essa mentalidade que assola até mesmo nossas instituições de ensino superiores.

Conseguindo convencer os amigos da educação que menos horas dentro da sala de aula é possível, sem diminuir a qualidade da formação dos alunos, o problema não pode ser resolvido de uma hora para outra, é claro. Se, logo no começo dos cursos de graduação, começarmos a mudar radicalmente o grau de exigência por uma maior independência dos alunos, ao invés de ter aulas-teatro, onde o professor engana que está ensinando e o aluno que está aprendendo, talvez teríamos muitos alunos não conseguindo se formar num tempo adequado.

Minha proposta é que, ao longo do curso, os professores vão exigindo uma maior independência. Lembrando da quantidade de horas e cursos no final de minha graduação, sempre me incomodava a quantidade de horas que tínhamos que passar dentro da sala de aula. Se um aluno prefere estudar sozinho e consegue ir bem nas avaliações do professor, por que obrigá-lo a ficar dentro da sala de aula? Gosto do que Bertrand Russell e Richard Feynman dizem a respeito disso, enfatizando que o principal do professor é levar o aluno a ver por si mesmo. Gostaria, sinceramente, de saber o que os amigos da educações tanto vêem no processo de simples transmissão de informação que, claro, deve existir, mas não é só isso.


Universidade, academia, professor, ciência e filosofia: excertos

(Publicado originalmente dia 9 de janeiro de 2008 http://stoa.usp.br/tom/weblog/13471.html)

Alguns excertos do livro A história do pensamento ocidental (Wisdom of the West), de Bertrand Russell, relacionados a um assunto que muito me interessa e penso há certo tempo, desde a época em que era estudante de graduação: a missão de uma universidade. Meus pensamentos sobre o assunto ainda são imaturos.

Na verdade, há duas atitudes que podem ser adotadas ante o desconhecido. Uma é aceitar as afirmações de pessoas que dizem conhecer, baseadas em livros, mistérios ou outras fontes de inspiração. A outra consiste em sair em busca por si mesmo, e este é o caminho da ciência e da filosofia.

Acho que no prefácio (preciso conferir e não sei onde está o livro, agora).

Num sentido bastante real, este continua sendo o objetivo da genuína ducação, até mesmo nos dias de hoje. Não é função de uma universidade encher a cabeça dos estudantes com o maior número possível de fatos. Sua verdadeira tarefa é inculcar neles hábitos de exame crítico e a compreesão de cânones e critério rederentes a todas as matérias.

Pág. 74, comentário enquanto descrevia a ‘Academia’ fundada por
Platão, em Atenas.

[…] “Lembremos que ciência e filosofia eram estudadas em escolas ou sociedades onde havia estreita colaboração entre alunos e professores. A verdade importante que parece ter sido compreendida desde o início, pelo menos implicitamente, é que o ensino não é um processo de transmitir informação. Em parte, é claro, deve haver isso. Mas não é a única função do professor, nem a mais importante. Na verdade, isso é mais evidente hoje do que àquela época, quando os registros escritos eram mais raros e mais difíceis de se obter do que agora. Atualmente, é razoável pensar que qualquer pessoa que saiba ler poderá recolher informações numa biblioteca. É cada vez menos necessário um professor para transmitir mera informação. E por isso tanto maior é o mérito dos filósofos gregos, por terem compreendido como se deveria realizar uma genuína educação. O papel do professor é de orientar, de levar o aluno a ver por si mesmo.

Págs. 88 e 89, comentário sobre a educação grega.

Esse último comentário me lembra um trecho do prefácio do ‘The Feynman Lectures on Physics’, de Richard Feynman:

Acho, porém, que a única solução para este problema da educação é perceber que o melhor ensino só pode ser praticado quando há uma relação individual direta entre um estudante e um bom professor uma situação em que o estudante discute as idéias, pensa sobre as coisas e fala sobre elas. É impossível aprender muito apenas sentado em uma palestra ou mesmo resolvendo problemas propostos. Mas, em nossos tempos modernos, temos tantos alunos aos quais ensinar que precisamos tentar encontrar um substituto para o ideal. Talvez em algum pequeno lugar onde haja professores e alunos individuais, eles possam obter certa inspiração ou idéias destas palestras. Talvez se divirtam raciocinando sobre elas ou desenvolvendo mais algumas coisas.

Na época, 1999, ano em que ingressei na graduação em física da USP, fiquei impressionado com as palavras do Feynman. Para quem estava acostumado com colégios tradicionais brasileiros (principalmente alguns públicos), local raro para se encontrar seres pensantes (não que mudou muita coisa na universidade, mas melhorou, sim, consideravelmente e, ainda, descobri as bibliotecas!), descobrir Feynman, primeiro, e Russell, depois, são coisas que não têm preço na vida de um jovem estudante. Russell acabei descobrindo mais tarde por causa da autobiografia dele que pode ser lida na biblioteca do IFUSP (um pouco sobre essa descoberta). Essa relação aluno-professor tive um pouco devido à iniciação científica durante o curso de graduação.

Preciso ler mais os gregos. Acho que começarei por Platão, possivelmente com The Republic (se alguém tiver alguma sugestão, ela é bem-vinda).

Também esbarrei hoje com um possível nome interessante para estudar, Otto Maria Carpeaux (alguma sugestão?):

Não está longe o dia em que o MST, julgando a USP improdutiva, não hesitará em invadir aquele campus Butantã, exigindo ciência socialista.

Na década de 1940, Otto Maria Carpeaux, em sua Viena natal, já observara à sua primeira entrada na universidade:

“Vi a biblioteca coberta de poeira, os auditórios barulhentos, estupidez e cinismo em cima e embaixo das cadeiras dos professores, exames fáceis e fraudulentos, brutalidades de bandos que gritavam os imbecis slogans políticos do dia e que se chamavam ‘acadêmicos’.”

Ainda em “A idéia da universidade e as idéias das classes médias”, Carpeaux faz uma extensa análise da motivação violenta que se apoderou das classes médias, não economicamente médias, mas sim espiritualmente. Classes médias do espírito, aquelas que jamais chegarão ao conhecimento da realidade e, por isso, tornam-se violentamente invejosas de quem o possui.

Para esses, o objetivo da vida deixa de ser o conhecimento, se um dia o foi. Enxergando-se incapazes de adquiri-lo, querem impedir que outros o busquem. Restam as manifestações de significado nulo, cheias de som e fúria. Restam as filiações políticas e os sindicatos. Resta o sentimento de coletividade irresponsável.

E Carpeaux, constatando que a história das universidades é a história espiritual das nações, coloca-nos em uma situação deveras preocupante. Se é que ainda podemos nos chamar nação.

(Por Gerson Faria)

Parece que estamos, infelizmente, bem longe do ideal da academia grega, quando nos lembramos sobre muitos fatos das nossas universidades. Qual será a relação entre os diversos problemas do nosso país, da nossa sociedade, e nossas univerversidades e centros educacionais? Quero estudar melhor o que Carpeaux diz sobre essa relação entre universidade e nação.


Aos professores: como vocês divulgam seus trabalhos para atrair alunos de iniciação científica e de pós-graduação? Que tal um blog?

(Publicado originalmente dia 5 de dezembro de 2007 em http://stoa.usp.br/tom/weblog/11420.html)

Caros professores,

certamente muitos de vocês devem concordar que um bom projeto de iniciação científica (IC) com um aluno interessado e esforçado pode ser algo bastante proveitoso, principalmente para o aluno, como também para o professor e seu grupo de pesquisa. Recentemente, pensando comigo como foi que descobri minha ex-orientadora, depois que fiquei sabendo o que é iniciação científica, percebi que foi uma mera sorte (pelo fato de eu saber sobre o pior nível de dedicação aos seus orientados e, até mesmo, competência de alguns pesquisadores do instituto). Aliás, fui informado o que era iniciação científica, no ano que entrei no IFUSP, 1999, apenas no final desse mesmo ano, Outubro, num evento promovido pela comissão de graduação do instituto. Nos anos que se seguiram, sempre houve certo esforço por parte dos estudantes, na semana re recepção aos calouros, para divulgar sobre o que é iniciação científica e como começar uma. Fico muito feliz em saber que conversas minhas com alguns recém ingressantes na universidade acabaram fazendo iniciação científica e, muitas vezes, vieram contar para mim e até pedir algum conselho ou contar o que estavam fazendo.

O evento organizado pela comissão de graduação era um conjunto de palestras dos professores do instituto, que abordavam as várias linhas de pesquisa do instituto. No lado de fora do auditório onde as palestras foram apresentadas, o Abraão, haviam cartazes preparados pelos estudantes de IC. Fiquei bastante interessado por partículas elementares (algum dia conto mais sobre esse ponto) e fui falar com alguns estudantes veteranos quem eles me indicavam. Foi puro boca-a-boca. Eu nem cogitaria pesquisar o currículo do professor, nem mesmo saber um pouco dos outros orientados o que eles achavam. Um deles, com quem falei, ex-aluno de IC da professora que mencionaram o nome, me disse que era muito puxado fazer com ela, o que, de certa forma, me motivou.

Acabaram mencionando a professora Renata Funchal, então pesquisadora do Departamento de Física Nuclear, com quem fui, junto com um amigo, o Felipe, conversar, para saber o que precisávamos para fazer uma IC com ela. Marcamos uma reunião depois de uma semana, com a seguinte questão para responder e pensar no meio tempo: “Por que você decidiu fazer física?”

Pulando a parte da resposta minha (também crio um post, algum dia), na reunião a professora indicou 2 livros para nós lermos “A primer on particle physics: from alpha to zeta”, do Okun, e “Cosmic Onion”, do Frank Close. Ela enfatisou a importância de sabermos ler em inglês, pois essa é a língua usada pela comunidade científica. Penei no meu primeiro verão para tentar entender o livrinho do Okun. Não por causa da física, pois essa eu só viria a entender alguns anos mais tarde, depois de estudar quântica e relatividade, mas por causa do inglês, que não era lá grande coisa (na realidade, pouco sabia de minha capacidade para ler em inglês, após a aquisição de certo vocabulário através desse livrinho).

Descobri, assim, que eu podia ler livros em inglês. Fiquei bastante empolgado, pois, perambulando pela fantástica biblioteca do IFUSP, o leque de possibilidades ampliou muitíssimo, a partir de então.

Acho que tive uma boa orientação de IC e certo estou que descobri a professora em questão por acaso. Na época, não estava tão habituado com o uso dos mecanismos de busca na Internet (aprendi a ler email aos 18 anos – que diferença da nova geração!). Foi muito no boca-a-boca, mesmo.

Agora, suponham que um aluno precisa pesquisar diversos assuntos e o que cada pesquisador faz. Até mesmo (por que não?) interagir com o pesquisasdor. Como vocês divulgam seus trabalhos para atrair esse aluno? Como divulgam o seu dia-a-dia dentro da universidade? Um blog, muito mais prático e dinânimo, não é algo mais atrativo do que uma mera página estática e um currículo Lattes? Claro, também mais trabalhoso.

Você pode estar se perguntado: “Eu tenho minha página, por que faria um blog?” Num blog existe um recurso muito importante: a possibilidade das pessoas que lêem seus textos colocarem comentários, interagirem com você. Todos aqui que fazem pesquisa certamente sabem da importância de ter certo retorno por parte de terceiros sobre o que estamos fazendo. Além de ser um bom método para nos auto-avaliarmos (quem aqui garante que o que estou escrevendo está sendo bem compreendido?), pode ser também ferramenta poderosíssima para ampliarmos nosso conhecimento através de dicas e sugestões de alguém que já estudou sobre o assunto.

Num blog também existe a possibilidade de se incluir vídeos, imagens e sons de modo bastante prático! Você pode pegar a câmera do seu celular, gravar alguma mensagem e por na Internet. O mesmo pode ser feito com arquivos de aúdio e imagens.

Durante minha iniciação, fiz uma página simples de Internet, divulgando meus relatórios para as agências de fomento que pagavam minha bolsa, os pôsteres dos simpósios que participei, assim como os seminários que eu apresentei durante os cursos que fiz durante minha graduação e pós. Deixava alguns arquivos disponíveis para download (no servidor do departamento de física matemática do IFUSP, eu tinha 100 Mb para colocar tudo), o que pode facilmente ser feito aqui no Stoa. Não é preciso ser nenhum hacker para divulgar seu trabalho. E melhor ainda, está tudo centralizado! Quem sabe, no futuro, poderemos até integrar o sistema Stoa da Universidade de São Paulo com outros centros educaionais. Não seria fantástico?! Várias redes sociais com tantas pessoas com coisas importantíssimas e interessantíssimas para falar interagindo entre si e gerando conteúdo?

O blog também pode ser usado pelos seus próprios estudantes. Pode-se criar um blog comunitário onde mais de uma pessoa escreva sobre um determinado assunto, e. g., um grupo de pesquisa divulgando seu trabalho. Poderia ter algo melhor do que divulgar o que fazemos porque gostamos? :-)

Há também um fato que considero ser importantíssimo: a USP é financiada por dinheiro público. O blog não pode ser um bom meio de divulgar para quem está fora dos muros da universidade o que ocorre no dia-a-dia dela? Não pode motivar algum estudante do ensino básico quando ler algum texto de caráter de divulgação, quando bem escrito? Quantos estudantes não vão nos fóruns das comunidades da rede social que mais se popularizou entre os jovens brasileiros, o Orkut, para perguntar um pouco como é a vida pós-colégio? Usando o Orkut desde 2004, posso garantir que são muitos, mas muitos mesmo jovens que estão sedentos por saber, por aprender, por estudar. As possibilidades são infinitas e pouco custa, na minha opinião, dedicar certo tempo de nossa semana, para ajudar a orientar essas pessoas. Vejam um post explicando sucintamente a importância do material ser público (texto apagado do Stoa, em breve será publicado num outro lugar): Sobre a importância do conteúdo público / Alguém já viu conteúdo de qualidade no orkut?

Repito. Apenas uma lista de artigos publicados não é suficiente, na minha opinião. Quantos não existem com uma lista enorme de artigos, mas, quando vamos ver de perto, não passam de maquininhas de produzir artigos? Sei que não é todo profissional que tem facilidade de se comunicar de maneira didática, como vi em muitos professores em minha graduação. Acredito que esse espaço aqui pode ser um bom termômetro para quem se propõe a divulgar suas idéias. ;-)

“Everything is vague to a degree you do not realize till you have tried to make it precise.”

Bertrand Russell

Post relacionado

(Atualizado às 22h36 no dia )


O problema da uniformidade na educação do Brasil: questionamentos

(Publicado originalmente dia 13 de dezembro de 2007 em http://stoa.usp.br/tom/weblog/12051.html)

Um excerto do livro Da Educação (1926), de Bertrand Russel, capítulo I, Postulados da moderna teoria educacional, páginas 7, 8 e 9. Traduação de Monteiro Lobato, de 1977, do original em inglês On EducationEspecially in Early Childhood (Companhia Editora Nacional).

Ao lermos até mesmo os melhores tratados antigos de educação, observamos certas alterações ocorridas na teoria educacional. Os dois grandes reformadores da educação, antes do século XIX, foram Locke e Rousseau. Ambos merecem a fama que gozam, porque repudiaram muitos erros largamente correntes em seus dias. Mas nenhum foi tão longe em suas idéias pessoais como a quase totalidade dos educadores modernos. Ambos, por exemplo, pertencem à tendência que levou ao liberalismo e à democracia; ainda assim, só consideraram a educação de uma criança aristocrata, à qual um homem tinha que consagrar todo o seu tempo. Por melhores que fossem os resultados desse sistema, nenhum homem de visão moderna dar-lhe-ia atenção, pois é, aritimeticamente, impossível dedicar a uma criança todo o tempo de um professor. Este sistema, pois, só pode ser empregado por uma casta privilegiada; seria impossível num mundo justo. O homem moderno, ainda quando possa buscar vantagens especiais para seus filhos na prática, só considerará o problema teórico da educação como resolvido quando a vir franqueada a todos ou, pelo menos, a todos de capazes de com ela se beneficiarem. Não quero dizer que os abastados devam desistir de certas oportunidades educacionais, pelo simples fato de não as verem franqueadas a todos. Fazê-lo seria sacrificar a civilização por amor à justiça. Minha opinião é que devemos procurar, para o futuro, um sistema educacional que abra a todos os meninos e a todas as meninas as melhores oportunidades possíveis. O sistema ideal de educação deve ser democrático, embora não comporte realização imediata. Creio que ninguém contestará isso. Vou, pois, manter-me no ponto de vista democrático. O que advogarei poderá vir a ser universal, mas no interregno da espera, o indivíduo não deverá sacrificar seus filhos ao “mal vigente”, se tiver inteligência e oportunidade para obter algo melhor. Nem essa atenuada forma de princípio democrático encontramos em Locke e em Rousseau. Rousseau, um descrente da aristocracia, nunca refletiu sobre o que, em matéria de educação, a sua descrença implicava.

Essa questão de democracia e educação é das que exigem a maior clareza. Seria desastroso insistir no ponto morto da uniformidade. Algumas crianças se revelam mais capazes do que outros e podem obter maiores benefícios de uma educação mais apurada. Alguns professores são mais preparados, ou mais naturalmente aptos do que outros, mas é impossível que todos possam ser ensinados por esse diminuto número de professores melhores. Ainda que a mais alta educação fosse desejável para todos (o que duvido), é impossível a todos tê-la no momento e, por isso, uma rígida aplicação dos princípios democráticos poderá levar à conclusão de que ninguém deverá tê-la. A adoção desse modo de ver seria fatal ao progresso científico, e faria com que o nivel geral da educação, daqui a cem anos, fosse desnecessariamente baixo. O progresso não deve ser sacrificado a uma igualdade mecânica atual; precisamos nos aproximar cuidadosamente da democracia, de modo a destruir o menor número possível de valiosos produtos que possam estar associadas à injustiça social.

Não podemos, no entanto, considerar satisfatório um método de edcuação que não seja suscetível de universalizar-se. Os filhos de gente rica muitas vezes têm, além da mãe, uma ama, uma criada, e ainda parte do tempo da criadagem geral; isso envolve uma soma de atenção que em nenhum sistema social poderia ser dada a todas as crianças. É duvidoso que as crianças bem tratadas ganhem em fazer-se desnecessariamente parasíticas; mas, mesmo que não seja assim, nenhum espírito impoarcial poderia recomendar vantagens especiais para algumas apenas, exceto por motivos peculiaríssimos, como debilidade mental ou genealidade. Se puder, um sábio pai dos nossos dias escolherá para seus filhos um método de educação que não seja de fato universal, e por amor à experimentação, é desejável que esses pais tenham o ensejo de recorrer a novos métodos. Contudo, embora produzindo bons resultados, esses métodos hão que generalizar-se e nunca ficar restritos a uns poucos privilegiados. Felizmente, alguns dos melhores elementos da moderna pedagogia tiveram origem extremamente democrática: os trabalhos de Madame Montessori, por exemplo, começaram nas escolas maternais, nos bairros pobres. Na educação mais elevada tornasse indispensável articular capacidade excepcional com a oportunidade excepcional; aliás, não há razão alguma para que uma criança sofra com a adoção de sistemas que possam ser adotados por todos.

Muitos conceitos importantes como o de democracia e justiça, assim como os fins da educação, precisariam ser discutidos, o que não será feito agora. Sobre civilização, nas palavras do próprio Russell, coloquei um excerto sucinto do texto Educação e Disciplina, do livro O Elogio ao Ócio (1935), num outro post Um pouco sobre civilização nas palavras de Bertrand Russell.

O ponto que me chamou mais atenção foi sobre esse desastre da uniformidade, claramente tão empregada em nossas salas de aula aqui do Brasil, até mesmo nas escolas dos ricos. Precisamos relatar mais e mais o que está ocorrendo nas salas de aula, de todos os níveis, do Brasil. Noto, inclusive, que esse nivelamento por baixo ocorre até mesmo numa universidade dita ser uma das melhores do país, a Universidade de São Paulo. Me refiro aos cursos de graduação do Instituto de Física, local onde estudei nos últimos anos. Isso também precisa ser analisado, com calma, num momento posterior, pois quero enfatizar justamente esse nivelamento por baixo que ocorrem nas salas de aula.

Precisamos parar de sacrificar nossos talentos. Por favor, precisamos parar de sacrificar nossos talentos. Precisamos deixar de enganar o povo dando falsos diplomas, falsos atestados, falsas aulas, falsas escolas, falsos professores. Temos que começar a conversar, e muito, sobre tema tão importante, como é o da educação de nossa população. Só assim poderemos ter um número mínimo de pessoas para passar a levar o assunto a sério.

Quais sistemas educacionais já perceberam isso e eliminaram esse tolo amor a justiça? Quais países levam a sério assunto tão importante como o da educação? Em quais exemplos podemos nos inspirar e aprender, com seus erros e acertos? Quais foram os principais erros que cometemos para chegarmos na situação crítica atual? Como vamos convencer uma população sobre a importância da educação que, ainda, tem como fim primário da vida sobreviver, não viver? Quais foram os homens que por aqui passaram, ou ainda estão vivos, que realmente fizeram, ou ainda fazem, algo para que algumas mudanças claramente necessárias passem para o plano concreto?

As pessoas que realmente se preocupam com esse tema precisam, urgentemente, se unir. Pelo amor a nossas crianças.


Sobre a importância dos intelectuais e o estado crítico da educação no Brasil

(Publicado originalmente dia 5 de dezembro de 2007 em http://stoa.usp.br/tom/weblog/11315.html)

Apenas um pequeno trecho do The Responsibility of Intellectuals, do Chosmky.

“With respect to the responsibility of intellectuals, there are still other, equally disturbing questions. Intellectuals are in a position to expose the lies of governments, to analyze actions according to their causes and motives and often hidden intentions. In the Western world, at least, they have the power that comes from political liberty, from access to information and freedom of expression. For a privileged minority, Western democracy provides the leisure, the facilities, and the training to seek the truth lying hidden behind the veil of distortion and misrepresentation, ideology and class interest, through which the events of current history are presented to us. The responsibilities of intellectuals, then, are much deeper than what Macdonald calls the “responsibility of people,” given the unique privileges that intellectuals enjoy.”

Ando bastante incomodado com as repetidas notícias que tenho lido nos últimos anos sobre a situação da educação no Brasil. Não só com as notícias, como também com as consequências do pouco caso no nosso país com um assunto tão essencial. Acho desnecessário colocar os links para as últimas notícias, pois imagino que todos aqui devem estar cientes delas.

Guardo, em geral, no meu del.icio.us essas informações: http://del.icio.us/everton137/education+Brazil

Acredito que aqueles que se calaram tem uma grande resposabilidade para que as coisas chegassem ao estado atual. Não que sejam os únicos responsáveis. Isso seria bobagem. Mas que quem consente tem responsabilidade, ahhh, se tem!

Precisamos nos unir e, urgentemente, fazer algo.


Será que isso explica um pouco sobre a apatia dos alunos brasileiros?

(Publicado originalmente dia 25 de fevereiro de 2007 em http://stoa.usp.br/tom/weblog/465.html)

Excertos do texto em que Feynman comenta sobre o ensino de física no Brasil:

Depois da preleção, alguns estudantes formaram uma pequena delegação e vieram até mim, dizendo que eu não havia entendido os antecedentes deles, que eles podiam estudar sem resolver os problemas, que eles já haviam aprendido aritmética e que essa coisa toda estava abaixo do nível deles. Então continuei a aula e, independente de quão complexo ou obviamente avançado o trabalho estivesse se tornando, eles nunca punham a mão na massa. É claro que eu já havia notado o que acontecia: eles não conseguiam fazer. Uma outra coisa que nunca consegui que eles fizessem foi perguntas. Por fim, um estudante explicou-me: “Se eu fizer uma pergunta para o senhor durante a palestra, depois todo mundo vai ficar me dizendo: “Por que você está fazendo a gente perder tempo na aula? Nós estamos tentando aprender realmente alguma coisa, e você o está interrompendo, fazendo perguntas”. Era como um processo de tirar vantagens, no qual ninguém sabe o que está acontecendo e colocam os outros para baixo como se eles realmente soubessem. Eles todos fingem que sabem, e se um estudante faz uma pergunta, admitindo por um momento que as coisas estão confusas, os outros adotam uma atitude de superioridade, agindo como se nada fosse confuso, dizendo àquele estudante que ele está desperdiçando o tempo dos outros. Expliquei a utilidade de se trabalhar em grupo, para discutir as dúvidas, analisá-las, mas eles também não faziam isso porque estariam deixando cair a máscara se tivessem de perguntar alguma coisa a outra pessoa. Era uma pena! Eles, pessoas inteligentes, faziam todo o trabalho, mas adotaram essa estranha forma de pensar, essa forma esquisita de autopropagar a “educação”, que é inútil, definitivamente inútil!

Por fim, eu disse que não conseguia entender como alguém podia ser educado neste sistema de autopropagação, no qual as pessoas passam nas provas e ensinam os outros a passar nas provas, mas ninguém sabe nada. “No entanto”, eu disse, “devo estar errado.”

Esse sistema de autopropagação de informação também vi muito durante minha graduação em física pela Universidade de São Paulo. Mas escrevo sobre isso em detalhes outro dia.


Um pouco sobre civilização nas palavras de Bertrand Russell

(Publicado originalmente dia 2 de outubro de 2007 em http://stoa.usp.br/tom/weblog/7218.html)

Toda teoria educacional séria deve ter dois componentes: uma concepção dos objetivos da vida e uma ciência da dinâmica psicológica, isto é, das leis da mudança mental. Duas pessoas que discordem quanto ao objetivo da vida não podem pretender concordar sobre educação. Em toda a civilização ocidental, a máquina educacional é dominada por duas teorias éticas: o cristianismo e o nacionalismo. Levadas a sério, essas duas teorias são incompatíveis, como vem sendo evidenciado na Alemanha. De minha parte, digo que onde elas divergem o cristianismo é preferível e onde elas concordam estão ambas erradas. A idéia alternativa que eu adotaria como o propósito da educação é a de civilização, termo cujo significado, tal como eu vejo, é em parte individual, em parte social. No plano individual, a civilização consiste em certas qualidades intelectuais e morais: as qualidades intelectuais são um mínimo de conhecimento geral, uma boa qualificação técnico profissional e o hábito de formar opiniões baseadas em evidências; as qualidades morais são a imparcialidade, a bondade e um certo grau de autocontrole. Eu acrescentaria ainda uma qualidade que não é moral nem intelectual, mas talvez fisiológica: entusiasmo e alegria de viver. No plano social, a civilização exige o respeito às leis, relações humanas justas, objetivos que não impliquem danos permanentes a nenhum setor da humanidade e adaptação inteligente dos meios aos fins.

Betrand Russell, Educação e Disciplina, do livro O Elogio ao Ócio.

Será possível termos uma sociedade onde a maioria das pessoas possuam as qualidades definidas por Russell no seu conceito de civilização? Será que o ser humano pode se aproximar desse ideal? O que podemos fazer para incutirmos esses propósitos em nossas crianças? Como fazer? Por onde começar, se nem o bê-a-bá é ensinado para uma fração considerável do planeta?

Eu gostaria mesmo de acreditar que é possível, mas a cada dia perco um pouco mais da esperança…